sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Mito da democracia racial numa visão Bakhtiniana


Em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem, Mikhail Bakhtin tem o propósito de acrescentar algo a teoria de Marx. Para o autor, as bases de uma teoria marxista da criação ideológica, estão estreitamente ligadas aos problemas da filosofia da linguagem. Bakhtin se opõe ao idealismo e ao psicologismo, é neste terreno que ele questiona a causalidade e a especificidade dos fatos.

O pensador russo chama a atenção para as propriedades da palavra: pureza semiótica, neutralidade, implicações na comunicação humana diária, interiorização e ubiqüidade. De acordo com Bakhtin a palavra quando chega ao corpo social e interage com as pessoas perde algumas dessas propriedades. É o que ocorre com a pureza semiótica e a neutralidade, em si o signo é neutro e puro, apenas um significante, mas em contato com a sociedade toma significados e constitui-se de tendências ideológicas.

A ideologia não muda de forma abrupta, ao contrário ele muda paulatinamente. Bakhtin acredita que as ideologias sofrem mudanças lentas, mas continuas, as quais se iniciam na infra-estrutura. As transformações passam primeiro pela palavra, pelos discursos que se constroem na realidade social, para depois atingirem a superestrutura. Segundo o autor a infra-estrutura compõe a base da sociedade, as informações, fatos e desenvolvimentos essenciais para a composição social de uma determinada sociedade. Enquanto a superestrutura refere-se aos reflexos que as transformações na infra-estrutura acarretam quando buscam novos perfis. São basicamente elementos e relações sociais criados e administrados pela infra-estrutura. Esta análise parte de um elemento da superestrutura: a mídia.

Ao longo da história da humanidade, cada sistema de dominação cria recursos que os sustentam e até justificam. Na sociedade contemporânea, o poder da mídia torna-se cada vez mais absoluto. Nas relações sociais, tem o domínio aquele que melhor articula os meios de comunicação social, a fim de garantir a hegemonia.

A imprensa é um filtro, a intermediária entre o fato e a versão que nos é apresentada, essa versão chega carregada de tendências político-ideológicas, que são absorvidas pelo grande público sem que se dê conta disso.

Ciente do poder que é delegado a imprensa procurei analisar o seu foco de abordagem com relação ao tema: o dia da Consciência Negra. A mídia brasileira consegue e, com certa eficiência, alimentar a sociedade com a utopia da democracia racial, a ilusão de que todas as etnias vivem harmoniosamente. Os veículos de comunicação são utilizados para impor um estereótipo social que vá de encontro aos interesses da classe dominante, novelas, filmes, ou mesmo noticiário televisivo e jornais impressos têm contribuído significamente para a consolidação desses estereótipos. Os papéis destinados à população afro-descendente são geralmente, serviçais, malandros ou criminosos da periferia.

O enunciador (imprensa) produz com seu discurso um efeito que camufla as ideologias pregadas por ele, há uma refração do real. Omite-se em abordar a realidade dos fatos no que diz respeito à questão racial. Existe por traz desta omissão o enorme problema social, pois não há interesse da classe dominante em construir um país racialmente justo. Certamente são muitos os fatores que determinam o conteúdo discursivo veiculado pelos jornais e vão desde os aspectos mais particulares ligados, por exemplo, à participação política de membros ligados ao jornal ou ao apoio financeiro oferecido pelos órgãos do governo a essas empresas.

Procurei entender as causas e efeitos dessas escolhas às tendências ideológicas e interesses político-econômicos determinantes na produção discursiva, bem como a realidade criada a partir desse produto e através dele refratada socialmente, considerando sempre o grande alcance e poder de aceitação pública da imprensa.

Para Bakhtin cada época e cada grupo social têm seu repertório de forma de discurso na comunicação sócio-ideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de temas. Através de uma pesquisa na internet ficou constatado que o volume de material divulgado enfocando o dia da Consciência Negra foi muito pequeno. Quando era lembrado não tratava da questão primordial: O racismo.

Esta análise buscou compreender os processos de significação presentes nos discursos da imprensa sobre esse tema, procurou desvelar outros sentidos ali presentes e o modo como ele se constitui. Sobretudo, o pretendido foi mostrar que as escolhas de enfoque, não são ingênuas ou aleatórias, elas revelam um sujeito discursivo, sua visão de mundo e seus interesses em um jogo interlocutivo em que ele detém o poder.

Bakhtin acredita num processo de evolução social dialético que procede da infra-estrutura e vai tomar forma na superestrutura. Pode considerar que a igualdade racial ainda está em processo evolutivo, de forma lenta e gradual. Esta mudança é continua, ela está ocorrendo desde o descobrimento do Brasil. Já esteve na infra-estrutura dos quilombos, passou pela palavra, pelos discursos de libertação dos escravos e com a lei Áurea desenvolve o processo para chegar a superestrutura. No entanto a mudança ainda não aconteceu, depois de mais de quinhentos anos a igualdade racial ainda não chegou a superestrutura, teima em ficar interne nas bases dos processos de evolução social (infra-estrutura), através da prática da discriminação racial, mas acredito que possa terminar o caminho descrito por Bakhtin e para que possamos extirpar esse tumor chamado racismo.