segunda-feira, 13 de outubro de 2008

PERFIL: professora Shirlene



Ao entrar parecia estar em uma biblioteca, havia livros por todos os cantos, sobre a mesa de jantar, na área de serviço, além de uma sala de estudos com inúmeras obras. A casa reflete a personalidade da dona, uma pessoa que está sempre em busca de aperfeiçoar seu conhecimento. Shirlene Rohr de Souza é casada, possui um filho. É professora da Universidade do Estado de Mato Grosso a mais ou menos um ano. Tem 41 anos de idade, é formada em letras pela universidade federal do Espírito Santo. Ingressou na faculdade com a intenção de aprimorar seus conhecimentos em gramática, porque era professora de português na cidade de Vitória-ES. No decorrer do curso de letras percebeu que os professores não estavam preocupados com gramática, mas com o desenvolvimento humano, eles estudavam sociologia e filosofia. Isto a afastou da gramática e despertou uma curiosidade em relação aos estudos históricos, ao desenvolvimento da linguagem na história da humanidade. Terminou a graduação e interessou pela literatura, não por ela em si, mas na literatura em interação com outras áreas, sua ligação com o mundo, a Filosofia, a Sociologia, a História e a Geografia.

Shirlene Horror? “Eu sempre coloco o “ó” aberto justamente para fugir da brincadeira do Horror. Essa metalingüística! Mas a pronúncia mesmo é com o “ô” fechado, Rohr.” Quem conhece a professora logo percebe que o humor e a espontaneidade são suas características, mesmo em situações difíceis. Em 1994 ela sofreu um grave acidente, um rapaz deixou um ferro cair no seu pé. “Como não podia andar, aproveitei para ler”. Começou a estudar a história da higienização, a carnavalização e a idade média nos aspectos não oficiais. Ela focou seus estudos na questão cultural, “interessei pelo escracho da idade média”. Iniciou com autores como Rabelais, Bakhtin, Foucault e Norbert Elias. Esses autores foram a base de seu edifício teórico do mestrado em estudos literários em 1994 pela universidade federal do Espírito Santo.

“A grande virada da minha vida foi a vinda para Mato Grosso”. Sair de sua cidade natal, não foi fácil. Por esse motivo ainda mantém sua residência em Vitória. Ela e Benjamim saíram de Vitória por causa da violência. Decidiram fazer o concurso para docentes da Unemat. Ambos foram aprovados, mas só Souza foi chamada, Benjamim aguarda vaga. A viagem para Mato Grosso chamou sua atenção “não imaginava o tamanho do Brasil, e a diversidade da vegetação”.

“Aqui agente deixa o carro aberto, deixa filho sozinho em casa”. Souza fugiu da violência urbana de Vitória, mas encontrou outra espécie de “violência” (interdição do discurso). As questões políticas são muito fortes e próximas. Para explicar isso ela recorre a Foucault, quando ele diz que sexualidade e política são os discursos mais interditados, aqui esta interdição é forte. “Qualquer coisa que se fala tem que tomar muito cuidado, porque todos são amigos do prefeito ou de algum político.” Para ela a universidade deveria ser um local aberto a debates de idéias e espaço de produção de discursos críticos. Ela relata que encontrou aqui uma acomodação do discurso acadêmico às políticas locais, uma confluência de interesses. “A faculdade precisa amadurecer para se desvincular das amarras das forças locais, precisam se emancipar”.

“Agora só leio clássicos”. Souza tem muitos planos de leitura, sua proposta de estudo é a releitura. Ela está mais preocupada com a releitura do que com a leitura. “Cada vez que leio é diferente, vejo algo diferente”. Atualmente tem desenvolvido uma pesquisa para sua tese de doutorado, ela faz uma relação de como o trabalho e a festa se modificaram a partir do capitalismo. Como essas relações se deram na idade média e como se transformaram com o inicio da idade moderna. E como isso remete ao contemporâneo. “Tudo é vendido, até o carnaval”. Para ela a festa virou investimento.

“Será que as utopias acabaram?” essa é uma pergunta que a professora tenta responder em sua tese de doutorado. Para Souza existem duas vertentes, a primeira é segundo Tomas Morris, que diz que as utopias são baseadas no trabalho. Para Morris a sociedade só encontra justiça e fraternidade se todo mundo tiver trabalho. A segunda é antagonista porque Rabelais acredita que não está no trabalho, mas a igualdade está na bagunça.

Por causa da exploração econômica, a professora acredita que o capitalismo tirou as máscaras do carnaval. “É importante vender fotos para a revista Bundas”. Souza satiriza a revista Caras. Ela afirma que ao tirar as máscaras do carnaval foram excluídos os mutilados, os corcundas e as pessoas consideradas feias pela sociedade, elas foram afastadas para os depósitos, surgem os orfanatos, os asilos e os sanatórios. De acordo com ela o capitalismo é um sistema de exclusão, “estão sendo estimuladas ideologias que pregam a concorrência e o individualismo”.

O projeto de Souza para o ano de 2008 é a revista Argos. Ela revela que uma de suas grandes paixões é a mitologia Grega. Lembra a história de Jasão que reuniu tripulação, batizada de argonaltas, para irem em busca do velo de ouro, que era a representação máxima da felicidade e da realização. Várias gerações de Argonaltas passaram anos navegando em busca deste objeto sagrado. Daí a idéia do nome Argos, porque quando pensou, imaginou montar uma tripulação para navegar em busca de algo que não sabe o que é. Espera ser um lugar para pensar os fatos do nosso tempo, formar uma geração contemporânea e diferente de argonaltas. Navegar pela internet, com artigos bons e críticos. As produções serão dos alunos e professores da Unemat, sua pretensão é criar um espaço aberto interativo para trocar idéias, aprender e ensinar.

A grande preocupação da professora é que os alunos precisam ler e saber fazê-lo bem. “A maior angústia que tenho é com relação à formação dos acadêmicos”. Ela diz ter encontrado, de forma geral, nos espaços acadêmicos em que trabalhou uma acomodação por parte da comunidade estudantil. E o que a assusta mais são os crescentes cursos oferecidos, que não sabe se oferecem formação acadêmica ou simplesmente o diploma. Segundo Souza a forma de protestar contra isso é despertar nos alunos a consciência crítica, para exigir mais das universidades e dos professores.

Um comentário:

PP1ER Reinaldo disse...

Uau!!! Esta reportagem me encheu de orgulho! Tive o privilégio de dividir a sala de aula no nosso tempo de aluno com a Professora Shirlene, e fico extremamente feliz, pelo seu crescimento pessoal e humano, que por sinal já era muito grande. Shirlene é uma pessoa extremamente doce e sinto muita saudades da boa convivência que tivemos aqui em Vitória. Peço a Deus que continue sempre lhe abençoando e conduzindo os seus caminhos.

com carinho,

Reinaldo